<BODY> sequissudoxtequinina - sedotec em pastilhas - versão 13b



quarta-feira, fevereiro 15, 2006 
 
P de perrengue
Odeio "meu querido diário" mas esses acontecimentos não podem ser confiados somente a meu cérebro - vou ter Parkinson mais dia, menos dia. Registrando então, favor prosseguir somente se seu crachá for do azul para cima. Sábado, 17:00. Já no aeroporto de mochila nas costas. "Sua passagem foi solicitada de maneira incorreta e o departamento que poderia solucinar só reabre na segunda". Assim. Ligo para todo mundo. "Não vou mais". "O quê? Não acredito". "Caralho, tá falando sério?" "Só pode estar brincando". Ligo para mais um. "Não vou mais". "Vem sim. Parte agora para a rodoviária que te pego no Tietê às 5 da manhã". "Vou pensar e te ligo". Pensei. Liguei. "Tá. Estou indo mas não conta para ninguém". Ônibus das 11 da noite. Chove. Durmo do jeito que dá. Mal durmo. "Puta que pariu, que motorista lerdo". 4:20. SP não chega. 4:45. SP não chega. 5:00. Ônibus pára. E SP não chegou. Estou na Dutra, ninguém desce, ninguém sobe e está tudo completamente escuro. Desço. Chove. "O que foi?" "Pane no sistema elétrico. Vamos ter que esperar o ônibus anterior descarregar e voltar ou torcer para o de trás nos ver e parar". Todos os palavrões imagináveis, até inventei alguns novos. Se não estiver na rodoviária, perco a carona. Se não tiver carona, como vou chegar naquela estrada de barro no caminho para Itupeva a 50 minutos de São Paulo? Chove. Tenho que pensar. Um táxi. Nem penso e aceno. "Você fez mesmo sinal para mim?" "Pior que fiz. Terminal Tietê voando". Chego às 5:15. 5 minutos antes. Show de boleta. Estrada para Itupeva, seguir até quilômetro 75.5, entrar na placa Sem Parar, seguir até o estacionamento. "Por essa estrada de barro mesmo?" "É, olha uma placa escrito Techno ali". "A gente vai atolar com certeza". Não atolamos. "Olha aquela fila". Estacionamos. "Moço, essa fila é pra quê?" "Pra pegar a van que leva até a festa". "E não dá pra ir a pé?" "São 4 quilômetros de barro, trechos de lama pura, a estrada é estreita e se vocês cruzarem com algum carro nas descidas vão ter que se jogar no mato para não serem atropelados". Ok. Fila. 20 minutos. 7:30 da manhã. "Vodca com energético?" "Sim". 30 minutos. "Vamos a pé?" "Não". Primeira van chega. Não damos 10 passos. Mais de 100 pessoas na nossa frente, todos furando fila, no inferno tudo se acerta. 50 minutos. "Pega outra vodca e vamos a pé". Barro. Poças. Lama. Plantação de uva. Lama. Lama. "Estão ouvindo?" "Estamos". Chegamos, quase uma hora andando. Ninguém sabe que estou aqui. "Vou procurar". A primeira. Depois outra, outro, outra, outro, outra, outro, outra e outro. Todo mundo junto. As maiores caras de surpresa que já vi na vida. E de felicidade também. Só cheguei há 10 minutos e já valeu. 8:30 da manhã. Inigo Kennedy? Do caralho. Speedy J? Do caralhaço. Vince Watson? Mais do caralhaço ainda. Mas há muito que não vou para festas pensando no som. Quero as conversas, os momentos e as falas que entram para a história. Dessa? Várias... A suíça da maratona da Olimpíada, "eu sei que é difícil mas tenta não coçar que piora", batida de mão e rodadinha, "tenho várias, quer uma?", "vai Júnior, estão armando barraco - se mete aí você que é carioca", "se a van não chegar em 10 minutos a gente vai", barro já quase no joelho, "olha ela lá no canto", moonwalk na lama, sentadinha na beira do lago. Primeira leva vai. Continuo. Quase todas as levas vão. Continuo. 7:30 da noite. Som pára. Festa acaba. E o perrengue volta a atacar. Nenhuma van. Mais 4 quilômetros a pé numa estrada de barro depois de 12 horas dançando e 12 horas de vodca? Vontade de chorar. Mas aí teve 30 reais pro Fusquinha e o não, "se eu parar, sento e não levanto mais, vamos no pique" e "até onde sua vista alcança... é tudo nosso" e não chorei. Chegamos no carro quase no escuro. Sem condição psicológica, física e, principalmente, higiênica nenhuma de encarar estrada direto. Recebo hospitalidade, chuveiro quente e colchonete com edredon. Apago. Acordo 5 horas depois, encaro 6 horas de estrada e chego no trabalho 4 horas atrasado. Ótimo pra mim. Ótimo é pouco. Do caralho. Nunca pensei que perrengues pudessem se tornar inesquecíveis e colocar um sorriso no meu rosto cada vez que me lembro deles. Mas podem. Mais 19 páginas para minha biografia.